Quando um CEO de uma empresa que movimenta bilhões decide remar contra a maré dos “retornos forçados ao escritório”, vale ouvir com atenção. No vídeo que o Lucas reagiu, Diego Barreto (iFood) defende três pilares que deveriam estar no radar de qualquer liderança: tratar adultos como adultos, decidir com base em dados e redesenhar a comunicação para o trabalho distribuído. Se você quer uma cultura organizacional que entrega, aqui vai o que importa — e como aplicar no seu negócio.
1) Cultura não é cartilha de regras — é coerência entre valores e prática
“Empresa que funciona à base de regra, não tem cultura; tem um conjunto de regras.” O ponto é direto: política de presença, dress code e checklists intermináveis não criam atitude de dono, apenas conformidade. Cultura se prova no cotidiano, principalmente quando ninguém está olhando.
Como aplicar:
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Defina comportamentos-chave (ex.: transparência radical, autonomia responsável, foco em resultado) e traduza em rituais: dailies curtas, retrospectivas objetivas, fóruns de decisões registrados.
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Treine líderes para dar contexto e cobrar por entregas, não por horas na cadeira. “Confiança” não é ausência de cobrança; é cobrança clara e combinada.
2) Dados acima de retórica: produtividade não se deduz do CEP
Enquanto alguns gigantes decretam “volta 100% presencial”, o iFood olha os próprios números e vê o oposto: os últimos anos de maior crescimento ocorreram com forte trabalho remoto. A lição: hipóteses culturais devem ser testadas, não impostas.
Como aplicar:
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Defina métricas de produtividade por função, com poucos indicadores que capturam valor real (ex.: lead time, NPS do cliente interno, taxa de bugs, MQLs qualificados).
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Compare cenários (remoto, híbrido, presencial) por squad/time, não por senso comum. Se o remoto performa melhor para X, mantenha. Se o presencial acelera Y, privilegie horas de co-localização intencional.
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Evite métricas de vaidade: presença em reunião, horas logadas e “ilusão de alinhamento” valem menos que entrega validada pelo cliente.
3) Tratar adultos como adultos — e responsabilizar de verdade
Pagar salário de mercado, abrir a geolocalização para talentos e dar liberdade de organizar a vida cria lealdade. Pessoas que enxergam benefícios concretos (custo de vida mais baixo, proximidade da rede de apoio familiar) tendem a lutar para ficar — desde que exista reciprocidade: liberdade com prestação de contas.
Como aplicar:
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Acordos de performance individuais: objetivos claros, prazos, critérios de aceite e cadência de checkpoint.
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Política de “liberdade com contexto”: o default é assíncrono; quando síncrono é essencial (ex.: discovery com cliente), justifique o porquê e registre decisões.
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Gestão por exceção: quem não entrega precisa de intervenção específica (coaching, realocação, desligamento); não puna a empresa inteira com regras genéricas.
4) Remoto exige outra mecânica: mais assíncrono, menos política
Se a promoção “de quem aparece mais” some quando tudo fica documentado, ganham os melhores. O iFood coloca vídeo e registros no centro da comunicação assíncrona, reduzindo o “jogo de corredor”. Resultado: menos influência de política informal, mais meritocracia baseada em evidências.
Como aplicar:
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Manual de Comunicação:
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Quando usar síncrono: decisões críticas, conflitos, feedbacks.
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Quando usar assíncrono: status, alinhamentos, handoffs, atualizações.
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Padrão de registros: decisões com owner, datas, fontes e próximos passos em um repositório único (Notion, Confluence, Git, CRM).
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Vídeo curto > reunião longa: líderes gravam debriefs de 3–5 min com contexto + decisão. O time comenta no próprio tópico.
5) Promoção sem viés geográfico: avalie o tangível
“Todos os números de promoção, mérito e desenvolvimento estão bem distribuídos entre quem frequenta mais ou menos o escritório”, disse Diego. A chave é objetivar os critérios. Se o seu sistema de avaliação segue subjetivo, o ambiente puxa para “quem está por perto”.
Como aplicar:
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Matriz de avaliação por cargo com pesos para: impacto (resultado entregue), domínio técnico/comportamental e colaboração (feedbacks 360º).
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Revisões calibradas: comitê cruzado (líderes de áreas diferentes) para diluir vieses.
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Trilhas de carreira com evidências: portfólio de entregas, cases e indicadores ligados ao negócio.
6) Atração de talentos global e custo real do presencial
Abrir fronteiras amplia o funil. Com política remota séria, você contrata “o melhor head de marketing possível” no Brasil (ou no mundo). A contrapartida é elevar o padrão de gestão: escopo, prioridade, métricas e rituais muito bem desenhados.
Como aplicar:
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Recrutamento por desafio: cases técnicos, work samples e simulações no lugar de entrevistas apenas conversacionais.
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Onboarding assíncrono: playbook, vídeos, checklist de 30-60-90 dias e buddy responsável pelo ramp-up.
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Ritmo de planejamento: OKRs trimestrais com reviews quinzenais e demo day mensal para mostrar entregas ao negócio.
7) E a cultura na prática? Três rituais que mudam o jogo
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Ritual de contexto (semanal, assíncrono): CEO/heads gravam vídeos com prioridades, riscos e aprendizados da semana.
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Ritual de decisão (contínuo): toda decisão relevante ganha card único, linkado a métricas, responsável e deadline.
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Ritual de cliente (quinzenal): squads apresentam o que mudou na experiência do cliente (NPS, churn reasons, PRs, CSAT), não só “atividades realizadas”.
Conclusão: cultura que performa é cultura que mede e educa
O recado do iFood é simples — e poderoso: deixe a ideologia de lado e olhe para os dados do seu negócio. Se o trabalho remoto aumenta produtividade, retenção e acesso a talentos, ajuste a mecânica (comunicação, rituais, métricas) e vá em frente. Se o presencial gera ganhos claros em certas frentes, desenhe momentos de co-localização com propósito, não imposições vazias.
Cultura organizacional que dá resultado não é “home office vs. escritório”; é liberdade com responsabilidade, decisão com evidências e comunicação que reduz política e aumenta entrega. Faça essa mudança e veja seus números contarem a história certa — a do valor entregue ao cliente.
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